Esta reacção é claramente favorecida no sentido directo. Em situações de hipoxia (esforço muscular intenso, por exemplo), ou ausência de mitocôndrias, a célula não é capaz de regenerar o NAD+ a partir de NADH através da cadeia respiratória. Por isso utiliza a conversão de piruvato em lactato, que consome NADH e liberta NAD+. Convém salientar que o NAD+ é indispensável para que a glicólise continue a ocorrer, permitindo assim a obtenção de energia através do catabolismo dos açúcares. Cada molécula de piruvato convertida em lactato regenera uma molécula de NAD+.
O lactato formado é enviado através da circulação sanguínea para o fígado, onde é convertido em glucose na gluconeogénese. A questão que se coloca é: “Então se é possível reciclar o lactato, convertendo-o novamente em glucose, porque é que é o fígado a fazer isso e não o músculo, uma vez que é no músculo que se produz o lactato? Assim o músculo podia aproveitar o seu produto da fermentação para repor os níveis de combustível metabólico!”. Se facto, à primeira vista até pode fazer sentido pensarmos assim. No entanto, a síntese de glucose, através da gluconeogénese, é um processo muito dispendioso, do ponto de vista energético, pelo que após um esforço físico intenso, não fazia sentido o músculo ter que gastar energia para sintetizar glucose. Sendo assim, a recuperação de um esforço intenso engloba não só a reposição dos níveis de ATP no músculo mas também um consumo extra de oxigénio no fígado, necessário para a síntese de ATP que será utilizado na gluconeogénese a partir do lactato. Por outras palavras, depois do esforço muscular, é o fígado que vai ter o trabalho de utilizar o lactato, permitindo uma recuperação muscular mais rápida e eficiente. Este processo designa-se por ciclo de Cori.
Durante o trabalho anaeróbico a concentração de lactato nas fibras musculares pode aumentar cerca de 30 vezes e é comum afirmar-se que é esta acumulação do ião lactato que provoca a fadiga. Contudo as evidências experimentais demonstram que embora a concentração de lactato esteja directamente relacionada com o grau de fadiga o ião lactato não interfere na actividade contráctil do músculo. A fadiga, as dores musculares e as cãimbras sentidas após um esforço físico intenso são o resultado da acidificação provocada pelo ácido láctico no músculo (o pH pode baixar de cerca de 7 para 6,5!!!). O pKa do ácido láctico é de cerca de 4, o que faz com que o pH das células (≈ 7) ou do plasma (≈ 7,4) provoque a dissociação do ácido láctico em lactato + H+. Esta acumulação de H+ vai interferir com a capacidade contráctil das fibras musculares e vai também invadir a fenda sináptica. Sendo assim, a incapacidade da junção neuromuscular em retransmitir os impulsos nervosos para as fibras musculares é devida, provavelmente, a uma menor liberação do transmissor químico acetilcolina por parte das terminações nervosas, devido à acidificação do líquido intersticial e alteração das estruturas proteicas (receptores de acetilcolina) pela acção dos H+.
Este sistema proporciona energia para actividades físicas que resultem em fadiga após cerca de 60-120 segundos. É portanto o principal processo metabólico associado a actividades como por exemplo corridas de até 400-800 m , provas de natação de 100-200 m , proporcionando também energia para momentos de alta intensidade no futebol, basquetebol, voleibol, ténis, entre outros. O denominador comum dessas actividades é a sustentação de esforço de alta intensidade com duração de 1-2 minutos. Mesmo os atletas melhor treinados são incapazes de sprintar por mais do que cerca de um minuto. Um atleta de alta competição necessita de cerca de 30 minutos para recuperar de uma corrida de 100m.
Alguns lactobacilos e estreptococus fermentam a lactose a ácido láctico no leite. A ionização do ácido láctico faz baixar o pH desnaturando a caseína (principal proteína do leite) e outras proteínas do leite. Quando essa desnaturação é controlada, e nas condições certas, obtem-se o iogurte ou o queijo.
Resumindo, a fermentação não serve para obter energia em condições anaeróbicas (esta ideia errada é muito comum…). Serve para regenerar o NAD+, de forma que a glicólise possa continuar a ocorrer na ausência de O2, pois é a glicólise que vai produzir ATP!
Principais fontes bibliográficas:
- Quintas A, Freire AP, Halpern MJ, Bioquímica - Organização Molecular da Vida, Lidel
- Nelson DL, Cox MM, Lehninger - Principles of Biochemistry, WH Freeman Publishers
quais produtos tenho com a fermentação?
ResponderEliminarBom dia,
Eliminarobrigado pela visita. :)
Na fermentação lática os produtos são o ácido lático e o NAD+. Na fermentação alcoólica, são o etanol, CO2 e NAD+.
Volta sempre!
Há maior fermentação na produção do queijo ou do iogurte?
ResponderEliminarBom dia,
Eliminarpenso que as coisas não podem ser vistas dessa forma, pois o processo em si é diferente nos 2 alimentos, e há muitos tipos de queijo e de iogurte. De qualquer das formas, de uma maneira geral o processo fermentativo no fabrico de queijo é mais extenso do que no caso do iogurte.
Obrigado pela visita! :)
Ocorre fermentação no músculo liso?
ResponderEliminarBoa tarde,
Eliminarsim, ao contrário do que muita gente pensa, o músculo liso também efetua fermentação, mesmo em condições aeróbicas. Podes encontrar mais informação sobre este assunto no seguinte artigo:
Production of lactic acid and energy metabolism in vascular smooth muscle: effect of dichloroacetate.
Barron JT, Parrillo JE
Obrigado pela visita! :)
A fermentação láctica ocorre dentro ou fora da mitocôndria ?
ResponderEliminarBom dia,
Eliminara fermentação lática ocorre fora da mitocôndria (é um processo citosólico).
Volta sempre! :)
Olá, só queria agradecer pela ajuda!!!
ResponderEliminarBom dia,
Eliminarfico feliz por saber que este post te foi útil! :)
O lactato por ser pobre em energia, eu posso dizer que é um produto de excreção do organismo?
ResponderEliminarBoa tarde,
Eliminarnão é por ser pobre em energia que se pode considerar um produto de excreção do organismo, pois temos muitas moléculas importantes que são pobres em energia. Além disso, o lactato não é um produto de excreção do organismo, mas sim um produto de excreção da célula que o produziu. Digo isto porque o lactato é normalmente convertido em glucose através da gluconeogénese hepática.
Volta sempre! :)
Boa tarde.
ResponderEliminarSabem informar-me porque é que quando se faz uma análise ao lactato sanguíneo, o tubo de sangue tem que ser transportado em gelo até ao laboratório?
Obrigada :)
Bom dia,
Eliminarinfelizmente essa não é a minha área de formação, pelo que não consigo ajudá-lo na questão que me colocou. Mas não tenho certeza se será obrigatório colocar sempre o tubo de sangue no gelo...
Volta sempre! :)
Ola quando as bactérias em ver fazer o processo de fermentação,fazem o processo de respiração o que fazer para que pare de respirar e fermente?
ResponderEliminarOlá Marília,
Eliminarmuitas vezes isso está relacionado com a disponibilidade de O2, ainda que haja muitas bactérias que são exclusivamente aeróbicas ou anaeróbicas.
Volta sempre! :)
Parabéns pelo blog.... ajuda muito nos estudo.
ResponderEliminarOlá Wan Fama,
Eliminarobrigado pelo comentário.
Volta sempre! :)
se a lactose e o a sucar do leite. na fermentação de um iogurte sem lactose como esse processo ocorre?
ResponderEliminarBom dia,
Eliminaros iogurtes sem lactose podem ser obtidos a partir de 2 formas diferentes. No 1º caso, o leite utilizado é leite sem lactose, sendo que nesses casos é necessário fornecer outros hidratos de carbono fermentáveis, e utilizar estirpes bacterianas que tenham a capacidade de fermentar esses hidratos de carbono. No 2º caso, é utilizado leite normal, e a lactose que permanece após fermentação é posteriormente retirada ou tratada enzimaticamente.
Volta sempre! :)
Estava pesquisando e dentre as pesquisas não achei uma resposta completa....
ResponderEliminarfiquei confusa perante tais perguntas:
Qual a importância da regeneração do NAD+ na fermentação?
Que conexão bioquímica entre a cárie dentária e metabolismo anaeróbio?
Bom dia,
Eliminara fermentação regenera NAD+ porque a glicólise precisa de NAD+ para funcionar, e em condições anaeróbicas as nossas células só utilizam a glicólise para obter energia. Ou seja, sem a fermentação a glicólise parava.
Em relação à cárie, esta é formada por bactérias anaeróbicas.
Volta sempre! :)
Boa noite...
ResponderEliminarA bactéria Escherichia coli pode viver na presença ou na ausência de o².Sua necessidade por ATP e a mesma em ambos os casos? Em qual situação ela vai consumir mais glicose para atender essa necessidade ?
Olá Mariana,
Eliminara necessidade em ATP depende do contexto metabólico no qual se encontra a E. coli, pelo que em princípio podes considerar que a necessidade é equivalente na presença ou ausência de O2. No entanto, num contexto anaeróbico vai ser preciso utilizar muito mais glucose, pois o total de ATP obtido por molécula de glucose é mais baixo.
Volta sempre! :)
Qual a semelhança entre as tres fermentaçoes alcoolica,latica e a acetica?
ResponderEliminarOlá Michelli,
Eliminartodas utilizam como substrato o piruvato, e todas servem para regenerar o NAD+.
Volta sempre! :)
Não sei nem se o senhor estará com esse blog aqui, mas eu gostaria de saber uma coisa que pra mim não ficou muito clara, o que causa a fadiga muscular então seria o fato de H* deixarem o ambiente ácido dificultando o neurônio motor, a fenda sináptica e o processo da acetilcolina ?
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