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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Glicólise (reacções da fase preparatória)

Quantas vezes não ficaram a olhar para um mapa metabólico e a pensar "Isto para mim é chinês!"?
Neste post vou tentar que isso não volte a acontecer, pelo menos quando estiverem a ver mapas metabólicos da glicólise.

Antes de começar a descrever as 10 reacções que compõem a glicólise, há um aspecto importante a considerar...
Os 9 intermediários glicolíticos encontram-se fosforilados, ou seja, possuem pelo menos um grupo fosfato (fosforilo). Esses grupos fosforilo apresentam 3 funções muito importantes:
1. Uma vez que se encontram ionizados (possuem carga negativa) devido ao pH intracelular, que é de cerca de 7 unidades de pH, os intermediários glicolíticos dos quais fazem parte vão consequentemente apresentar essas cargas. Convém não esquecer que a glicólise é um processo citosólico, pelo que as nossas células não vão querer que os intermediários da glicólise se difundam para o meio extracelular. Como a membrana plasmática é impermeável a moléculas carregadas, a presença dos grupos fosforilo faz com que a célula não necessite de despender nenhuma energia adicional para conservar os intermediários glicolíticos no seu interior, independentemente da sua concentração intra- e extracelular.
2. Uma vez que os grupos fosforilo fazem parte do substrato das enzimas glicolíticas, a energia de ligação resultante das interacções estabelecidas entre esses grupos e o centro activo das enzimas baixa a energia de activação e aumenta a especificidade das reacções enzimáticas em causa.
3. São componentes essenciais na conservação da energia metabólica. Este é um aspecto muito importante, que vai permitir canalizar uma grande parte da energia libertada nas reacções bioquímicas para a síntese de ATP.

Vamos então começar a "dissecar" a glicólise...

Reacção 1:
Nesta reacção, catalisada pela enzima hexocinase, a glucose é fosforilada (recebe um grupo fosfato. O dador do grupo fosfato é o ATP, que é convertido em ADP, ou seja, há um gasto energético associado a esta reacção. O grupo fosfato é então adicionado ao carbono 6 da glucose, através de uma ligação fosfoéster, formando-se glucose-6-fosfato. Esta reacção requer a presença do ião Mg2+ e é irreversível nas condições celulares.
À primeira vista pode parecer um bocado estranho o facto de estarmos a gastar ATP nesta reacção... Então não era mais vantajoso o grupo fosfato a adicionar ser um fosfato inrogânico existente no citosol? Assim não gastávamos energia... 
No entanto, e tal como eu costumo dizer aos meus alunos: "Nada na Bioquímica surge por acaso"! Existe uma explicação muito simples para esta situação. O que se passa é que a adição de um grupo fosfato à glucose é uma reacção termodinamicamente desfavorável, ou seja, requer energia. Esta exigência energética é essencialmente uma consequência do facto de a glucose ser rica em átomos muito electronegativos e o fosfato ser também muito electronegativo. Ou seja, para se dar a adição do grupo fosfato é necessário fornecer energia de forma a ultrapassar as repulsões electrostáticas que vão surgindo. Se o grupo a adicionar fosse um fosfato inorgânico do citosol, a reacção não ocorria, pois não havia energia suficiente para tal. Por outro lado, existe uma fonte celular de grupos fosfato que possui uma grande quantidade de energia química - o ATP! Portanto, a célula efectua um acoplamento energético, ou seja, junta uma reacção termodinamicamente desfavorável (adição de um grupo fosfato à glucose) a uma reacção termodinamicamente favorável (hidrólise de ATP). Como a energia libertada é superior à energia gasta, a reacção ocorre no contexto celular.
Por último, um aspecto importantíssimo, que irá merecer um post em breve. Esta reacção é o primeiro ponto de regulação da glicólise. Apesar disso, não é uma reacção exclusiva da glicólise, sendo comum também aos restantes processos que utilizam glucose. Basicamente, é uma reacção que ocorre mal a glucose entra na célula, impedindo-a assim de sair da mesma.

Reacção 2:
Esta é uma reacção de isomerização, em que a glucose-6-fosfato (que é uma aldose) é convertida em frutose-6-fosfato (que é uma cetose). A enzima que catalisa esta reacção é a fosfohexose isomerase. É uma reacção reversível que requer a presença do ião Mg2+.



Reacção 3:
Nesta reacção, a frutose-6-fosfato é fosforilada no carbono 1, estabelecendo-se novamente uma ligação fosfoéster e originando frutose-1,6-bisfosfato. A enzima que catalisa esta reacção é a fosfofrutocinase-1 (PFK-1), que é a segunda enzima regulatória da glicólise. Esta reacção é o principal ponto de regulação da glicólise, sendo por isso irreversível nas condições celulares! Requer a presença de Mg2+.
Mais uma vez, o dador do grupo fosfato é o ATP, pelos mesmos motivos descritos anteriormente para a reacção 1. A adição de um segundo grupo fosfato vai aumentar a instabilidade do produto final, pois a quantidade e proximidade de regiões ricas em electrões aumenta.

Reacção 4:
Esta reacção, catalisada pela aldolase, é a responsável pelo sufixo "lise" na palavra glicólise. De facto, a aldolase vai promover a clivagem da frutose-1,6-bisfosfato (que é uma hexose, pois tem 6 carbonos), em gliceraldeído-3-fosfato e dihidroxiacetona-fosfato (ambos são trioses, pois têm 3 carbonos). Esta reacção é possível devido à instabilidade que a frutose-1,6-bisfosfato apresenta, como consequência da presença de várias regiões com uma electronegatividade elevada (grupos fosforilo e grupos hidroxilo).
Esta reacção é reversível, mas o rápido consumo das trioses formadas faz com que o equilíbrio seja deslocado no sentido directo.

Reacção 5:
Para os restantes passos da glicólise apenas se pode utilizar o gliceraldeído-3-fosfato. Como era um desperdício não utilizar a dihidroxiacetona-fosfato, pois esta molécula contém metade dos átomos de carbono da glucose, a mesma é convertida em gliceraldeído-3-fosfato, por acção da triose fosfato isomerase. Assim consegue-se utilizar os 6 carbonos da glucose nesta via metabólica! Mais uma vez temos uma reacção de isomerização, sendo que neste caso temos o inverso do verificado na reacção 2, ou seja, uma cetose (dihidroxiacetona-fosfato) é convertida numa aldose (gliceraldeído-3-fosfato). Esta reacção pode ocorrer nos dois sentidos, sendo que a maioria das moléculas tende a estar sob a forma de dihidroxiacetona-fosfato. No entanto, uma vez que o gliceraldeído-3-fosfato é rapidamente consumido, o equilíbrio desloca-se no sentido directo.
A partit desta reacção, todos os gastos e ganhos da glicólise devem ser multiplicados por 2, pois passamos a ter 2 moléculas de gliceraldeído-3-fosfato por molécula de glucose.

Principais fontes bibliográficas:
- Quintas A, Freire AP, Halpern MJ, Bioquímica - Organização Molecular da Vida, Lidel
- Nelson DL, Cox MM, Lehninger - Principles of Biochemistry, WH Freeman Publishers

10 comentários:

  1. Perfeito, me ajudou muito, obrigado!

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  2. Parabéns pelo blog! Ta traduzindo o Lehninger pra gente! Salvando geral!
    Ana Luiza.

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    1. Bom dia,

      ainda bem que o blog está a ser útil.

      Volta sempre! :)

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  3. estou simplesmente amando, continuem com esse trabalho lindo e que ajudam os amantes de química e bioquímica <3

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  4. Professor boa tarde! Preciso fazer um mapa metabólico do álcool, drogas ou proteínas nao sei como começar... estou perdida pode me ajudar? Obrigada

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    1. Olá Erika,

      não percebi muito bem qual era o tema do mapa metabólico. Se for o álcool, podes falar do seu efeito na gluconeogénese. Em relação às drogas, não sei quais são as que tens que falar, e quanto às proteínas, não percebi mesmo o que querias dizer com mapa metabólico de proteínas.

      Volta sempre! :)

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  5. Eu ainda não entendi quais são os Intermediários da glicose,e quais são compostos de elevada energia.

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    1. Os intermediários da glicólise são os produtos das reações dessa via metabólica. Os compostos de elevada energia são intermediários que apresentam muita tensão química interna (acumulam muita energia interna) e que têm tendência a perder um grupo fosfato para diminuir a tensão. A perda desse fosfato liberta muita energia, levando à síntese de ATP.

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